segunda-feira, 14 de setembro de 2009

PICADA (MEMÓRIA)



Aquela casa não tinha o odor a assepsia dos hospitais convencionais. Juntava -se-lhe a mescla dos suores do sol sangrento e das lágrimas das carpideiras, no choro, no portão, em frente da estrada para Bissalanca, gargantas gastas e roucas, por vezes poucas na época das chuvas e dos enrolados trapos.

Furriel! Ó meu furriel! Ó Martins!
Do colchão, dois lençóis encardidos, seu universo de alguns meses chamava--me o André. Uma mina antipessoal, um pé, um grito, uma sina, uma dor que lhe passou a apertar a alma corporal.
Martins recebi carta de S. Mamede…da minha rapariga. A letra da ti Lena é que são só gatafunhos, se ma quisesse ler...


S. Mamede 1 de Dezembro de 1971

Meu Querido:

Cá vou passando arrimada a minha mãe. Secam-me os olhos de lágrimas. O Sr. Botelho é que teve uma recaída e anda muito ruim. A Dª Celeste é uma correria para os médicos. Mas eu só penso em ti. De dia e de noite. Mesmo quando vou abrir as poças ou acomodar o gado. Uma das cebas não vai muito bem. Nada me entretém. Não me interessa que venhas com o pé ou sem o pé. Só queria que acabasse o teu sofrer. André deves estar tão magrinho. Todos os dias rezo terços e terços e já fiz uma encomenda à Senhora de Fátima que nos há-de valer. André vais voltar para tomar conta do que é teu e vivermos os dois na casa da tia Brízida, que está lá à nossa espera. O meu coração só pensa no dia em que casarmos e formos para nossa casa. André não te esqueças de responder a esta logo na volta do correio. Mando-te os pintelhos que me pediste. Coro de vergonha. André beijo-te beijo-te e beijo-te. Espero que o nosso sofrimento termine, que voltes, logo que seja possível e, que vivamos felizes.
A que te adora
Laura


José Carlos Martins
9 de Setembro de 2009

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