terça-feira, 12 de maio de 2009

"GUARDA BEM A BAILARINA"



As asas da noite e as tuas asas de mel. As asas de mel da noite e as tuas asas. Ambas negras, mesmo no cheiro, faziam beijar o céu de estrelas pontuais e raras O céu itinerante como vem nos códices de todos os homens desde o primevo hominídeo, até aos clones do futuro presente, e, do futuro dos infernos maquinais. Vieste como ave. Inquietude, solicitudes, duas aéreas catalogáveis. E apenas azul. E penas azuis caídas de uma trave. Vieste, voo do silêncio objectivado, para colher dois pares de globos oculares, envoltos em papel de jornal, encobertos como portugueses no seu sangue normal, tão rubro e tão eivado de leitura e escrita outonal. Olhos sem luz não podem viajar. Borboletas nocturnas bêbadas de água, de orvalho, cantando hip-hop, a nadar no ar. Candeeiros que o mundo amarelece na proximidade do mar. Uma desconhecida toupeira citadina. E as tuas asas, amigas, levaram os dois pares de olhos, agora enxutos pela poeira cósmica, no papel, muito atentos, esbugalhados, para um bar. O meu par de globos oculares não entendiam, em dias em que a meteorologia era diversa, o porquê das pérolas de água que me salpicarem a cara depois de fazer a barba. Fiz a barba depressa. Era em situações como essa que o par de olhos de minha mulher via por mim. Para além da visualidade, viam na interpretação, na compreensão. Fomos contigo tomar um café. Morena estavas, como morena és. Depois não foi um café… foi um chá. As cadeiras eram confortáveis para os ossos. Depois a dança do ventre. O ventre era liso e lindo. Esticado e a pedir que o tocassem devagar e, depois, mais depressa, em ritmos de sombras magrebinas, berberes. Os lenços que caíam. A vinda junto à mesa. As pestanas pesadas. Linda bailarina a dançar o próprio ventre, mais gente, sem ventre assim, vozes, vozes, tu, nós, vozes, chás e um ambiente quente. As asas da noite e as tuas asas de mel voavam o espaço todo de todos os entendimentos, perscrutavam luzes, semióticas sinalizações, mais chá, o ventre e o tempo. De repente o tempo. O que encontravas os nossos olhos não sabiam embebidos que estavam em novidades novas, vindas de longe, que tu também trazias, porque viajavas, porque sabias de almas descobertas e navios. Na rua a alguém disse: “Guarda bem a bailarina!”. E o poema ficou…e os olhos viajaram. Ficaram escondidos, atrás de uma gaveta, espaço bem modesto, com apontamentos de uma aula de filosofia, trementes, ainda assim, de bom gosto e bom senso sorridentes. Ainda é noite agora…Torna-se urgente descansar…
Como ensinava uma amiga minha, é abaixo das ondas, que as águas estão serenas…

José Carlos Martins
Outubro de 2004

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